sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Identidade!

-Você vai falar mamãe, você fala?
-Não sei, vou ver.
-Você tem que falar mamãe
-Vou ver
Fomos ao médico.
-Fala, fala, por favor, fala logo.
-Doutora ela quer saber se tem um remédio para “curar” as sardas dela.
Risos, muitos risos.
-Olha aqui mocinha não tem, e mesmo que tivesse eu não daria porque elas são lindas.
Saí com cara de decepcionada.
-Tem que ter alguma coisa mamãe.
-Você não ouviu o que a médica falou menina?
Algum tempo depois... Conversando com uma amiga da mamãe dona de um senso de humor incrível...
-Valdeir eu já fiz de tudo, passei até leite de rosas, mas as minhas sardas não saem.O que eu faço?
-Passa Água Sanitária bombril, que elas somem.
No dia seguinte...
-Valdeir,Valdeir,Valdeir...
-O que foi menina que agonia é essa.
-Eu estava esperando você chegar do trabalho, não deu certo.
-Não deu certo o quê?
-Eu passei o bombril, mas as sardas ainda estão aqui.
-A ta é porque você não ficou no Sol.
No dia seguinte...
-Monique o que é isso no seu rosto?
-O que mamãe?
-Está todo vermelho e descascando?
-Deve ser a água sanitária?
-Como assim?
-Valdeir falou para eu lavar o rosto com água sanitária e esfregar com bombril, pra sair as sardas sabe, mas como não deu certo mamãe , eu fui lá de novo e ela falou que não tinha saído porque eu tinha que ficar no Sol,daí eu fiz hoje de novo.Você acha que ta saindo mamãe?
-MONIQUEEEEEEEEEE, VOCÊ É ABESTALHADA MENINAAAAAA, ESPERA UM POUCO QUE EU JÁ VOLTO VOCÊ VAI VER SÓ.
Foi falar com a amiga... Quando voltou eu estava chorando.
-Por que está chorando menina?
-Eu sou muito feia.
-Você não é feia.
-Todo mundo fala, meu apelido na rua é cabelo de fogo, e na escola é ferrugem, e eu não puxei a você, todo mundo fala que você é linda (fungando).
-Você é a cara do seu pai, e ele é bonito.
-Mas ele é feio e careca, ainda por cima vou ficar careca.
Ela riu, e nessa época não costumava rir muito, eram três pestes para criar sozinha.
-Você é bonita sim, só precisa tomar banho e pentear o cabelo todo dia.
-Não sou, e odeio essas sardas.
-Eu nasci com um caroço enorme na testa sabia?
-É mamãe?
-É, e quando eu era criança meus pés eram tão tortos que meu apelido era pata
Risos
-Pata mamãe?
-É, e os meus irmãos ficavam o dia inteiro falando assim pra mim. Pata cadê o Ovo?E eu chorava muito
Risos
-Você sabia que quase todas essas artistas da televisão são sardentas é que não dá pra ver, até a Xuxa é cheia de sarda.
-É mamãe?(já dando risada)
-É sim agora me deixa cozinhar e vai passar uma pomada nessa cara, onde já se viu esfregar bombril na cara, que menina besta viu, que menina besta!
Depois desse dia não me lembro mais de reclamar ou não aceitar as minhas sardas, muito pelo contrário, eu tinha até orgulho delas, acho que na verdade sempre gostei,pelo menos gostava do que via no espelho,só que era muita pressão da oposição(crianças podem ser cruéis)e logo depois começaram a aparecer os comerciais de margarina com garotinhas ruivas e sardentas .
Os problemas não acabaram por aí, logo veio à adolescência e eu passei de uma magrinha desengonçada para uma adolescente peituda desajeitada, não sabia dançar enquanto as minhas amigas pareciam ter o quadril totalmente descolado,e o cabelo então era uma coisa de louco,mas tenho que concordar que tinha um agravante o fato de eu detestar penteá-los não ajudava em nada.Porém a questão é:Nunca mais me incomodei com ninguém, alisei os cabelos quando pude e emagreci quando me achei gorda ,até algum tempo atrás eu dizia,acho que nasci com auto-estima,porque apesar de não me achar uma beldade,sempre namorei, saí , dancei,me exibi  e os apelidos não acabaram na Infância não,continuaram adolescência adentro,e eu nem aí.
Outro problema era a maneira de me vestir, não gostava muito de moda, aquela que todo mundo usa sabe, sempre fui meio riponga, e as calcinhas aparecendo então, desleixo total, preciso confessar que elas ainda aparecem de vez em quando, e ainda tem gente que ri disso, mas eu continuo não ligando, afinal todas essas coisas e as sardas fazem parte da minha identidade
 Na sua vida inteira você vai encontrar pessoas que falam mal de você, que criticam o seu jeito de ser, o seu sotaque, as suas manias, ninguém escapa disso, começa na escola bem cedinho, é o tal do Bullying, eu penso que isso existe desde que o mundo é mundo, tenho até uma teoria para isso imaginem só um neandertalzinho magrinho, sendo deixado para trás, porque não era tão ágil quanto os outros. Bom, viagens a parte nós somos assim, não aceitamos o diferente e apontamos os "defeitos" alheios como se fossem verdadeiras aberrações, talvez isso seja uma maneira de tentar nos proteger do que não gostamos em nós,hoje o bullying é muito estudado e combatido pelos educadores do mundo todo ,existe até uma frase corrente entre os educadores”Explorar a Diversidade para Compreender as Diferenças”,acho que é mais ou menos isso.Já falei aqui que sou péssima com frases?
 Antes a coisa era mascarada, atualmente nós encaramos o problema de frente, com um agravante que é a internete, e que pode gerar estragos enormes na vida de crianças e adolescentes que deveriam apenas ser felizes e estudar é claro, o número de pessoas com problemas emocionais por causa do Bullying é enorme.O adolescente está procurando uma identidade, está na hora de descobrir-se, e se alguma ou algumas pessoas deturpam a imagem ainda inacabada que ele tem de si mesmo, as conseqüências podem ser desastrosas. Pessoas cada vez mais depressivas, baixa auto-estima, isso sem falar nos transtornos alimentares, que mata milhares de meninas no mundo todo, mas esse é assunto para outro post.
 O importante é orientarmos os nossos alunos e filhos que diferenças existem e que fazem parte do nosso dia a dia, salientar as diferenças culturais, físicas e até raciais,para que eles sejam capazes de pelo menos se não aceitar ,também não hostilizar,porque acreditem,eles podem realmente ser cruéis.
Quanto as minhas sardas, agora tem tratamento a lazer,mas elas estão na moda,e quando não estiverem mais,não tem problema,elas sempre incomodaram mais os outros do que a mim.

Foto:Cláudio André



10 comentários:

  1. Muito bom, seu texto! Só quem é "diferente" sabe do que vc está falando! Eu,de minha parte, acho uma chatice ir ao shopping e ver todas as meninas e meninos iguais, vc vê um já viu todos, todas as meninas de cabelos compridos e lisos, calças jeans de cintura baixa, uma regatinha e tenis, uma mesmice sem tamanho, e sinto saudades da época em que eu era adolescente e ficava pensando que modelo faria meu vestido para a próxima semana, cada época era uma roupa especial, para a páscoa, para o dia dos namorados, enfim... outros tempos, hj se não nos encaixamos no padrão que as pessoas estipularam somos chamados de desleixados, de não termos auto estima, infelizmente hoje o que conta é apenas e tão somente a aparencia, vc pode ser informada, inteligente, caprichosa, honesta, mas se vc não estiver dentro do padrão, vc é considerada um lixo! Viva as diferenças! e viva seus cabelos ruivos e suas sardas!
    Bjs

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Gostei de como você ja começa o post falando da sua infância..
    Porque, mesmo que muitas pessoas falem sobre Bullyng ou até mesmo o preconceito em si, como você menciona no seu outro post,é apenas uma nova palavra, mas sempre sofremos por isso, afinal so alguém que ja sentiu, pode entender realmente como é.

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. kkkkkkk.... affi piadinhas das sardas tbm sofri com isso,qdo eu era adolesceste meu medico dizia hj vc eh uma onça, amanha vc sera uma pantera....agora nem ligo semana retrasada no shopping a moça perguntou se eu tomava sol de peneira (sem graca rsrsrs), so lamento nao ter copelo ruivo (meu sonho de consumo).
    Bullyng e realmente um problema serio, se torna pior quando nao temos apoio e carinho da família pra superar esses transtornos .
    bjs

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  6. As vezes tenho o privilégio de ser o primeiro a ler seus Posts. Adoro a maneira como vc escreve, abordando assuntos sérios e atuais com bom humor e sem perder o foco. São poucas pessoas que conseguem olhar para essa difícil fase da infância e adolescência sem mágoa nem saudosismo, mas com a sabedoria de quem caminha sem esquecer de onde veio, e sabendo muito bem onde quer chegar. Isso é seu. Foi uma delícia ler esse post, tanto quanto fazer a foto adoro suas aventuras de infância a lá Tom Sawyer e Huck Finn!!!

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  7. Excelente texto, Monique.

    A sua abordagem foi muito pertinente porque este é um tema que, além de atual, envolve diretamente a cada um de nós.

    Você bem sabe que no nosso meio convivemos com isso diariamente e chega a ser interessante constatar como pessoas ditas "esclarecidas" reproduzem um discurso carregado de preconceito e discriminação com a maior naturalidade. E olha que hoje não faltam informações sobre tal assunto.

    Um abração!

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  8. ô meu deus, fala sério, que bom que nossa infancia e adolescencia já se foram...nada como olhar no espelho e ter uma noção precisa do continente e do conteúdo....kkkkkkkkk... Não vejo possibilidades de uma linda mulher não ter sido uma linda criança... Beijos Cu

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  9. Fiquei um tempo sem ter tempo de visitar meus blogs favoritos, mas isso é bom! Agora, quando entro, finalmente encontro textos novos e excelentes!
    Quanto às sardas, o que foi aquilo? Um peeling anos 70???
    Bjossssss

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  10. Oi, Monique, tudo bem com você?

    Tá sumida, moça.

    Estou sentindo a maior falta de seus textos tão precisos e de todos os comentários no meu blog que só vem a enriquecer as minhas postagens.

    Reapareça!

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